Os filhos bastardos e o jornalismo sustentável (1)

Vanessa Rodrigues

É jornalista independente, documentarista, professora na Universidade Lusófona (Porto), onde é também doutoranda em Estudosem Comunicação para o Desenvolvimento, com uma investigação sobre Jornalismo e Desenvolvimento Humano. É autora do livro Ala Feminina. Viveu no Brasil - correspondente do DN e TSF - e na Jordânia. Em 2017, recebeu a Bolsa de Criação Jornalística sobre Desenvolvimento.

1. Os filhos bastardos

Há uma resistência generalizada, dentro da classe jornalística, quando falamos de modelos especializados no que tange à abordagem do Jornalismo a temas de Desenvolvimento. São eles uma espécie de filhos bastardos: jornalismo para o desenvolvimento, jornalismo cívico, jornalismo de causas, jornalismo público, jornalismo de direitos humanos, jornalismo social, jornalismo emancipatório, jornalismo de ambiente, jornalismo “ativista”, jornalismo independente, jornalismo global, jornalismo de paz, jornalismo humanitário, jornalismo de ligação, jornalismo de desenvolvimento, jornalismo de interesse público, etc. No debate “Triângulos Imperfeitos” – realizado em 2010, em Os Dias do Desenvolvimento – título que remete para a tríade jornalismo, cooperação e desenvolvimento, e cuja transcrição deu origem ao livro com o mesmo nome, com a chancela da ACEP, originou, entre outras, uma reflexão crítica sobre o termo “jornalismo cívico”, com jornalistas de meios tradicionais a colocar o dedo na ferida da razão dessa resistência contra os epítetos. Isso porque a priori todo o jornalismo tem de ser cívico. A premissa da resistência é a de que o Jornalismo per se basta-se e não precisa de qualificativos, pelo simples facto de que a missão primordial já tem alicerçados os valores, a ética, o compromisso, o escrutínio e as ferramentas essenciais para abordar os temas considerados de interesse público e com os respetivos valores-notícia, que fazem emergir à esfera pública a visibilidade dos temas sociais e, naturalmente, concernentes ao desenvolvimento. O receio, por um lado, e o puritanismo por outro, dessa premissa, é que o Jornalismo, ao se “envolver” e ao ser qualificado, possa cair no que se consideram ser águas turvas, com profundidade subjetiva da prática jornalística. Mas há muito que se destronou a ilusão de uma sacrossanta objetividade na prática jornalística. Em rigor, os jornalistas são atores sociais, fazem parte de um contexto e de uma cultura, partilham valores e práticas e as ferramentas de trabalho permitem, isso sim, à partida, um exercício rigoroso, plural e crítico.

2. O Desenvolvimento Humano

O mesmo se pode convocar para o termo Desenvolvimento. Quando o convocamos, é imperativo contextualizar e enquadrar a que nos referimos: onde, para quê, para quem? Por quem? Isso porque a própria denominação de Desenvolvimento permanece com pés de barro, uma vez que falar de Desenvolvimento convida a entrar em territórios que requerem contextualização histórica, cultural e social (Hobsbawm, 1987, 1988, 2007). É uma arena tensa (Williams, 2013), polissémica, contaminada pela origem economicista, logo um termo de dissenso (Chaparro Escudero, 2016) – porque nunca neutro. É um termo polémico. Para tentar criar uma fundamentação mais universal (embora, o universal, sabemos, seja inalcançável e pressupõe sempre imposições e pelejas ideológicas), o economista Mahbud ul Haq e o prémio Nobel de Economia Amartya Sen incluem a ideia de Desenvolvimento Humano, no primeiro relatório das Nações Unidas – e já com essa denominação-, em 1990, cunhando, assim, o conceito. Para eles, trata-se do “processo de ampliar as escolhas das pessoas”. O termo Desenvolvimento Humano permite, então, uma categorização mais concreta do campo societal, cruzando os principais desafios atuais, abarcando a denominação de Desenvolvimento Sustentável e alinhada com os mais recentes objetivos globais (2015-2030). Não obstante, Chaparro Escudero (2015) condena as boas intenções do Desenvolvimento, que diz serem uma espécie de lobo em pele de cordeiro. E esta é a tese preponderante: a génese da ideia de Desenvolvimento enquanto campo de atuação divide e impõe, desde logo, o mundo em dicotomias múltiplas que parecem incontestáveis. Dicotomias que têm ADN político, ideológico e institucional, conforme analisam Santos & Meneses (2009). Assumimos, por isso, que o Desenvolvimento Humano é uma configuração em processo, imperfeita, ao qual não é alheia, no entanto, o facto de ser (ou tentar ser) originariamente, construído “com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos valores que lhe subjazem” (Silva, 2012: 14). Trata-se de uma denominação que “tem o mérito de proporcionar a investigadores, docentes, governantes, e actores sociais uma plataforma de entendimento politicamente validada ao mais alto nível” (Silva, 2014).

3. Jornalismo e desenvolvimento

A primeira referência direta à relação entre Jornalismo e Desenvolvido surge em 1960, na Press Foundation of Asia (Stevenson, 1994), nas Filipinas, com a convocação de um modelo especializado: Jornalismo para o Desenvolvimento (JPD). Os jornalistas filipinos Alan Chalkley e Juan Mercado estavam preocupados com o facto de os meios de comunicação social estarem a fazer cobertura de assuntos de desenvolvimento sócio-económico de forma superficial, escrevendo notícias, maioritariamente, a partir de comunicados de imprensa governamentais, deixando pouco espaço para a análise, a avaliação e a cobertura efetiva dos programas de Desenvolvimento. Conquanto isso sucedesse, os protagonistas das histórias não tinham voz ativa e, nesse sentido, as dinâmicas de poder e a informação elitista assumia um lugar de preponderância e domínio. Chalkley advogava que os leitores deveriam ser informados sobre os problemas de desenvolvimento e possíveis soluções. A ideia não era reivindicar um novo tipo de Jornalismo, mas sim uma nova atitude em relação aos temas sobre desenvolvimento. Esta premissa e esta urgência persistem até hoje. Alguns autores, como Gunaratne (1996), discutem que a nova atenção jornalística cívica é, na verdade, parente da
proposta do modelo de Jornalismo para o Desenvolvimento. Ou seja, alicerça-se na maioria das preocupações que este tipo de jornalismo convoca. O autor analisa que o JPD e o Jornalismo Público, cívico, são “primos”. O problema basilar que o investigador identifica e analisa é que há uma questão semântica da palavra JPD que não serve o mundo “ocidentalizado”, embora possa ser praticado nesse mesmo território. Tal porque o termo coloca questões de foro ético, uma vez que o modelo de JPD terá servido, igualmente, interesses coloniais. Por seu turno, em Portugal, o binómio Jornalismo e Desenvolvimento ainda é uma relação por consolidar e onde o termo Jornalismo para o Desenvolvimento não encontra respaldo. Mas persiste a urgência em especializar a forma como o Jornalismo aborda as questões de desenvolvimento, terreno transversal e complexo. Em 2016, o estudo da ACEP O Desenvolvimento nos Media – Visões e Percepções de Jornalistas e Profissionais de Desenvolvimento constatava que, apesar de haver maior interesse e envolvimento jornalístico nas temáticas de Desenvolvimento, há ainda pouca cobertura sobre o assunto, quer nacional, quer internacionalmente. A informação sobre desenvolvimento é ainda “fragmentada, residual e superficial”. A par
disso, na maioria das vezes, as notícias sobre Desenvolvimento são negativas.

“A maturidade de uma cidadania mais crítica reivindica uma informação de
qualidade e com uma maior profundidade sobre temas globais como refugiados, mudança climática, entre outros temas”

 

4. Jornalismo construtivo

Para combater essa aparente assepsia jornalística, tem vindo a desenvolver-se um movimento de Jornalismo Construtivo, um modelo dinamarquês de jornalismo especializado, que se ocupa das questões da sociedade, de uma forma transversal, dedicando-se a promover a investigação e a procura de soluções para os problemas sociais. É uma terminologia que se relaciona com os propósitos do JPD, mas indo mais além. O termo foi cunhado por Ulrik Haagerup, fundador e diretor do Instituto Construtivo da Universidade de Arhus, na Dinamarca, e pressupõe que os media devem construir uma perspetiva inteligível e compreensiva sobre um assunto, apontando, possíveis soluções e/ou boas práticas. A conceção dinamarquesa de jornalismo construtivo (Constructive Journalism) é um campo teórico muito recente e carece de cristalização (McIntyre, 2015:7), mas tem vindo a ganhar algum fôlego académico, desde 2007. Há inclusive aproximações semelhantes como notícias construtivas (Haagerup, 2014), Jornalismo Positivo (Dagan Wood, 2014) e até mesmo o Jornalismo de Soluções (McIntyre & Sobel, 2017). O objetivo do jornalismo construtivo não é substituir uma eventual predisposição para o que é negativo pela abordagem positiva, mas trazer à luz parcialmente soluções – e até não convencionais – para os problemas sociais, à medida que são equilibradas, relevantes societalmente, críticas e rigorosas (Dagan Wood, 2014). Mais recentemente, na obra O que é o jornalismo sustentável? (orgs. Berglez, Olausson & Ots, 2017), advoga-se que só integrando as dimensões ambiental, social e económica será possível repensar o Jornalismo, tornando-o mais sustentável no seu todo. A premissa é a de que o Jornalismo tem um papel importante no desenvolvimento sustentável a nível global: informar, investigar e educar de formas que conciliem esses três pilares. Ao mesmo tempo coloca questões sobre a sustentabilidade do Jornalismo per se, refletindo como a imperativa necessidade para modelos de negócios economicamente sustentáveis podem ser negociados com as obrigações e impactos, sociais e ambientais. Esta ideia alinha-se, em certa medida, com as conclusões de Peña (2018: 418) de que “algo se está a mover”, pois “existe uma nova oportunidade de repensar o modelo de desenvolvimento, de cooperação internacional redirecionada, alcançando um maior compromisso e apoio social”.​

5. Como os media, em Portugal, estão a abordar as questões de desenvolvimento humano?

Têm emergido no ecossistema mediático projetos jornalísticos e jornalistas comprometidos com as questões de Desenvolvimento Humano, como por exemplo, em Espanha, os casos do Periodismo Humano, Planeta Futuro (El País) e do Desalambre (eldiario.es) e, em Portugal, indiretamente, os órgãos de comunicação social Público, Divergente (BagaBaga Studios) e Fumaça, sobretudo. Conforme analisa Oscar Peña (2018), o contexto ibérico é muito semelhante, onde a informação jornalística especializada em desenvolvimento é ainda jovem (2). Contudo, tem vindo a evoluir, a par dos movimentos especializados em solidariedade, cooperação internacional, desenvolvimento e luta contra a pobreza. Mas a iniciativa continua a ser dos profissionais de jornalismo e não como parte de uma cultura jornalística e das redações. Depois, a maturidade de uma cidadania mais crítica reivindica uma informação de qualidade e com uma maior profundidade sobre temas globais como refugiados, mudança climática, entre outros temas.

5.1. Prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença

Nesse sentido, de forma a melhor entender de que forma o Jornalismo, em Portugal, está a abordar os temas de Desenvolvimento Humano, centramos parte da análise empírica no prémio AMI – Jornalismo Contra a Indiferença, entre 1998 e 2016. Esta análise parte do objeto científico do meu projeto doutoral. Por isso é neste recorte que nos focamos. O prémio AMI pressupõe, de forma subentendida, que as categorias de visibilidade são os objetivos globais, alinhando-se com os temas de Desenvolvimento Humano. Com efeito:

5.1.1 Qual o meio mais premiado?

Entre 1998-2016, a Fundação AMI premiou 88 trabalhos jornalísticos: 34 de imprensa (38,6%) (31 exclusivamente em papel e 3 simultaneamente em edição impressa e online, pois os trabalhos do jornal Público foram publicados no universo ciberjornalístico); 42 trabalhos de televisão (48,3%); e 12 de rádio (13,8%), entre distinções de primeiros prémios e menções honrosas. Ao longo de 17 anos, a televisão foi o meio de comunicação social mais premiado, seguido da imprensa e, em último lugar, da rádio.

Apenas em 2013 e em 2015 começamos a assistir à premiação de trabalhos no universo online, que conjugam vários elementos media, para complementar o tema de reportagem, alinhando-se com os estudos sobre convergência, em Portugal, para o universo online (Díaz noci, J. & salaverría, 2003; Canavilhas, 2007). São eles, respetivamente, a reportagem “Filhos do Vento”, veiculada primeiro a 18 de junho de 2015, em televisão, na SIC, e depois em versão impressa, na Revista 2, e no site, no dia 21 de junho; o documentário “O que é isso de Vida independente”, publicado no dia 13 de outubro de 2015, no Público, acompanhando uma reportagem multimédia; e “Juventude em Jogo”, Divergente, publicada a 27 de dezembro de 2015. Este trabalho foi financiado pelo Journalism Fund e posteriormente veiculado na SIC, como reportagem televisiva, no dia 11 de agosto de 2016.

5.1.2. Quantas narrativas audiovisuais?

Entre 1998-2016 foram distinguidas 99 narrativas audiovisuais: 45 foram veiculadas em televisão e 54 no online. Este número tem em conta a contagem das narrativas por unidade audiovisual, i.e. um trabalho pode conter e integrar vários vídeos. Por exemplo, o trabalho “Juventude em Jogo” (Divergente) tem 50 vídeos (um teaser e 49 vídeos) enquanto que “Filhos do Vento”, do Público, apresenta três vídeos. Já o trabalho “O que é isso de vida independente”, também do jornal Público, apresenta um vídeo com cerca de 50 minutos, como parte de uma reportagem multimédia. Assim, as narrativas audiovisuais na web dominam o panorama nos prémios da Fundação AMI, sobrepondo-se às reportagens televisivas, e o universo online, em Portugal, alinha-se com uma tendência mundial da oferta de conteúdos vídeo online associados a reportagens multimédia: como forma de contar (ou ajudar a contar) a história, de forma híbrida.

5.1.3 Quais os temas abordados?

O tema mais abordado foi a saúde (12), seguido da migração (5), e da infância (4), igualdade de género (4), pobreza (4), envelhecimento (4), habitação (4) e refugiados (3). Os temas menos abordados com apenas dois registos cada foram: ajuda humanitária, fome, droga, crise económica, educação e desigualdade. Com apenas um registo cada identificamos: voluntariado, segurança, identidade, juventude, ambiente, minorias étnicas, exploração laboral, deficiência, tráfico de seres humanos.

5.2. Estudo de Caso: Divergente

Emergindo dos dados analisados como um caso diferenciado enquanto órgão de comunicação social independente, i.e., não vinculado a qualquer grupo económico, a Divergente apresenta a reportagem multimédia “Juventude em Jogo”. Esta reportagem multimédia, publicada em dezembro de 2015, foi distinguida pelo prémio AMI em 2016, e aborda a exploração de jogadores de futebol menores oriundos de África e da América Latina. O trabalho foi publicado online em parceria com o jornal Público e em plataforma própria da Divergente. Aposta numa linguagem híbrida (texto, imagem, design, ilustração, infografia com dados e vídeos), promovendo a interatividade com o internauta, através da navegação não linear das narrativas, apesar de apresentar uma proposta de navegação dividida em capítulos. Depois, a reportagem apresenta de forma aprofundada os contextos sociais, o(s) impacto(s) e o que está em causa, maturando a informação, cruzando e analisando factos, colocando em cima da mesa as principais críticas e fragilidades deste problema público, relacionando-o.

A Divergente é um Órgão de Comunicação Social (OCS), criado em 2014 pela cooperativa BagaBaga Studios, registado na Entidade Reguladora da Comunicação, criado em 2014 pelo coletivo BagaBaga Studios, com sede em Lisboa. A publicação surge e assume-se como uma alternativa aos grandes órgãos de comunicação social considerados tradicionais que parecem não ter espaço para abordar com fôlego – e de forma aprofundada- os temas de direitos humanos. Sob o slogan “contamos estórias que exploram silêncios” é evidente a proposta editorial: visibilizar as contraesferas públicas (Fraser,1990).

Esta publicação multimédia de jornalismo de investigação integra uma equipa multisdisciplinar (jornalistas, designers, realizadores, ilustradores e investigadores) que se dedica à “produção, formação e investigação em media digitais, cooperação e desenvolvimento”, usando as “estórias como solução”, através de “narrativas plurais e aprofundadas”, para ajudar “a compreender”, e “ligando “comunidades”.

​No estatuto editorial, lê-se, no ponto 4, que a “Divergente não se obriga à neutralidade ou à imparcialidade quando estiverem em causa a dignidade humana ou qualquer outro valor fundamental à vida em sociedade”. Depois do “Juventude em Jogo”, a Divergente já publicou um outro trabalho de grande fôlego, cruzando web documentário e reportagem multimédia, realizado em Moçambique: “Terra de Todos, Terra de alguns”. O trabalho aborda a expropriação de terras a “milhares” de camponeses moçambicanos, por parte de grande empresas ligadas à agricultura, silvicultura e pecuária, no corredor de Nacala. De facto, a Divergente tem contribuído para aprofundar temas que se relacionam com as categorias implícitas no Desenvolvimento Humano, denunciando, criando memória e documentação para a mudança social, conferindo visibilidade a temas subrepresentados pelos media tradicionais, utilizando linguagens híbridas. Além disso, e sobretudo, tenta-se dar primazia às fontes primárias (comunidades e/ou cidadãos), normalmente contra esferas públicas subalternas (Fraser, 1990). Não obstante, apesar de o projeto per se ainda não se ter consolidado como modelo de negócio sustentável, partindo de um esforço das equipas por projeto, apresenta características de prática jornalística comprometida com a mudança social e construtiva. Em certa medida, esta abordagem aproxima-se com a perspetiva de paradigma mais comprometido com as comunidades, conforme tem vindo a reivindicar Chaparro Escudero (2015). Mas há, sem dúvida, ainda, um longo caminho a percorrer.

Considerações finais – Jornalismo sustentável?

Com efeito, há, então, na nossa perspectiva, pelo menos, seis desafios incontornáveis

​1/ Por um lado, o jornalismo tem uma responsabilidade para contribuir para o “processo de ampliar as escolhas das pessoas” e deve, também, ser escrutinado por isso pela sociedade civil;

2/ Por outro, se persistem as vozes em falta, nomeadamente as fontes primárias, a reportagem, a profundidade da investigação e a especialização na abordagem em categorias de desenvolvimento humano, quer a nível nacional, quer a nível internacional, é obrigação dos órgãos de comunicação social refletirem, analisarem e abordarem essas vozes em falta. Devem ser cobrados por essas ausências;

3/ Depois, uma outra questão de fundo, para um Jornalismo de qualidade – atividade configurada como um negócio – é o facto de que não só tem de haver investimento. Mais: o Jornalismo tem de ser ressarcido pela qualidade – os leitores devem exigir e pagar por essa qualidade. Os salários precários auferidos por profissionais com tamanha responsabilidade, – ou quando existem- ferem a dignidade da profissão e o serviço público;

4/ Não se pode abordar o Desenvolvimento Humano como os fogos na Antártida sem contextualizar as questões de fundo sobre a acção climática e o impacto mundial;

5/ Quando está em causa a dignidade humana o puritanismo da neutralidade e a imparcialidade são ferramentas de desumanidade;

6/ Mais: para um jornalismo mais construtivo e focado na mudança social terá de existir envolvimento e compromisso das redações (chefias, lideranças) e dos jornalistas com o desenvolvimento humano, para criar mobilização.

…e, depois, duas grandes oportunidades.

1/ Ou seja, o tema do Desenvolvimento Humano deverá ser integrado nas redações, quer em forma de editorias, quer em forma de séries especiais com contínua abordagem. E os objetivos globais até podem ser uma “moda” criada pelo “mundo ocidental”, mas não há dúvida de que é um pretexto para abordar invisibilidades e fazer emergir histórias relevantes e gerar impacto construtivo;

2/ As narrativas audiovisuais, quer seja na web ou na televisão proporcionadas pelas linguagens híbridas de abordagem narrativa e pela capacidade de criarem coexistência e empatia, são ferramentas essenciais de impacto e engagement. O Desenvolvimento Humano precisa de mobilização, a par da informação de qualidade, construtiva, crítica, refletida. Só desta forma, o Jornalismo se poderá tornar, então, sustentável abarcando as dimensões ambiental, social/humana e económica.

Referências

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​(1) Este artigo é parte do projeto doutoral em curso da autora.

(2) Apesar de serem realidades semelhantes, em Espanha existem órgãos de comunicação social com editorias especializadas em assuntos de Desenvolvimento, o que não acontece no caso português.