O interesse nacional na Ajuda ao Desenvolvimento: Quando é que a Cooperação para o Desenvolvimento é “win-win”?

Owen Barder

É vice-presidente do Centro para o Desenvolvimento Global no Reino Unido (CGD), professor visitante na London School of Economics (LSE) e assessor do Comité para o Desenvolvimento Internacional do Parlamento Britânico. Entre 1998 e 2010 foi funcionário público, tendo desempenhado vários cargos, como o de Diretor de Finança Internacional e Eficácia do Desenvolvimento Internacional do Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID).

“Espero que a procura de uma Cooperação para o Desenvolvimento “win-win” signifique que no futuro vamos investir mais em combater as causas da pobreza.”

Alguns fundamentalistas da área do Desenvolvimento internacional defendem que a Ajuda ao Desenvolvimento nunca deveria estar ligada, de forma directa, ao interesse nacional. No extremo oposto há quem defenda – inclusive o Tesouro do Reino Unido – que toda a Cooperação para o Desenvolvimento deveria assentar numa abordagem “win-win”, ou seja, ser vantajosa para os dois lados. Ambas as perspectivas, situando-se em campos opostos, estão perigosamente erradas: a verdade está no meio.

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Este texto identifica que tipos de Cooperação para o Desenvolvimento podem ser considerados “win-win”, e que tipos de Ajuda ao Desenvolvimento são seriamente comprometidos pelos esforços em favorecer, de forma directa, o interesse nacional – custando vidas devido a uma redução na eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento. Quanto mais combatermos as causas subjacentes da pobreza, mais oportunidades surgirão para formular políticas directamente vantajosas para todos. As políticas de Desenvolvimento deveriam ter esta distinção em mente.

A Secretária de Estado para o Desenvolvimento Internacional britânico, Penny Mordaunt, defende, desde o início do seu mandato, que a Cooperação para o Desenvolvimento pode ser benéfica para todos. Em Janeiro escreveu:

As políticas de Desenvolvimento não existirão num vácuo. Farão parte de uma resposta conjunta face aos desafios e oportunidades que enfrentamos enquanto país. Esta nova abordagem trará vantagens tanto para a Grã-Bretanha como para os países mais pobres do mundo.

Em Abril, disse:

Os cidadãos não se identificam com as visões polarizadas da Ajuda ao Desenvolvimento: a visão de que apenas podemos responder a um desafio global na nação receptora da Ajuda ao Desenvolvimento; de que se escolhermos fazê-lo de forma a que sejam gerados outros benefícios, para o interesse nacional, ou para outra área do governo, mesmo que seja a mais eficiente, mesmo que seja a maneira mais sustentável de o fazer, é de certa forma menos digno. Os cidadãos sabem que esta visão é perversa… Para aqueles que dizem que não se pode gastar a APD [Ajuda Pública ao Desenvolvimento] de forma eficaz e apoiar, simultaneamente, o interesse nacional do Reino Unido, eu digo: Observem-nos.

“Os activistas da área do Desenvolvimento temem que a Ajuda ao Desenvolvimento seja gasta com menos eficácia se for desviada para os interesses directos dos doadores, o que não é uma preocupação meramente teórica”

Existem três formas diferentes nas quais a nossa Cooperação para o Desenvolvimento pode ser benéfica para todos.

​Em primeiro lugar, é, de forma indirecta, do nosso interesse nacional a longo prazo, que os países mais pobres se tornem mais prósperos, sustentáveis e bem governados. Os benefícios para a Grã-Bretanha incluem a expansão do comércio e do investimento e a redução de possíveis repercussões negativas do subdesenvolvimento tais como doenças infecciosas, degradação ambiental, violência e tráfico humano.

​Em segundo lugar, as nossas acções podem contribuir para a provisão de instituições e bens públicos globais que beneficiem tanto os países em desenvolvimento como a Grã-Bretanha. Exemplos deste tipo de acções podem incluir a limpeza dos oceanos, a mitigação das alterações climáticas, o aumento da estabilidade financeira, o desenvolvimento de novos medicamentos, o apoio à capacidade de vigilância de doenças por parte da Organização Mundial de Saúde, assim como melhorias na cobrança de impostos de empresas multinacionais e investidores internacionais.

Em terceiro lugar, as nossas acções podem beneficiar directamente a Grã-Bretanha. Abrir os nossos mercados para as exportações dos países em desenvolvimento é, por exemplo, benéfico para os países em desenvolvimento e, em simultâneo, para os consumidores britânicos (embora não o seja para alguns produtores britânicos que enfrentariam uma maior concorrência externa, seria benéfico para a Grã-Bretanha como um todo). De forma mais controversa, usar a Ajuda ao Desenvolvimento para comprar medicamentos de empresas farmacêuticas britânicas para dar à população mais pobre do mundo beneficia as empresas britânicas e os seus funcionários e as famílias dos países em desenvolvimento que os recebem.

A maioria dos activistas do desenvolvimento aceitam o primeiro destes três tipos de abordagens “win-win” ao desenvolvimento, citando regularmente o interesse nacional indirecto a longo prazo como razão para sustentar o orçamento da Ajuda Pública ao Desenvolvimento.

Muitas pessoas na área do desenvolvimento estão convencidas do segundo caso, mas temem que gastar dinheiro com bens públicos globais desvie recursos dos países e indivíduos mais pobres. Por exemplo, podemos pagar ao Brasil para manter a sua floresta tropical ou trabalhar com a China para reduzir a emissão de gases estufa – o que poderia ser bom para todos, incluindo a Grã-Bretanha, mas poderia resultar em menos dinheiro gasto nos países mais pobres e que mais necessitam.Os activistas da área do Desenvolvimento são mais cépticos relativamente ao terceiro argumento. Temem que a Ajuda ao Desenvolvimento seja gasta com menos eficácia se for desviada para os interesses directos dos doadores, o que não é uma preocupação meramente teórica. A ajuda alimentar dos EUA é teoricamente “win-win” já que a comida tem que ser comprada aos produtores americanos e transportada em navios americanos, mas o resultado é que ela alimenta muito menos pessoas do que poderia. O preço de garantir esse “win” para os EUA é – literalmente – que mais pessoas morram de fome nos países em desenvolvimento do que morreriam noutro cenário. Nos anos 70 e 80, o Reino Unido desperdiçou uma quantia considerável de dinheiro na Aid and Trade Provision (ATP), que procurava combinar os objectivos comerciais e de desenvolvimento da Grã-Bretanha. Assim, a utilização da Ajuda ao Desenvolvimento para apoiar, simultaneamente, o interesse nacional e o desenvolvimento, implica, por vezes, compromissos inaceitáveis na sua qualidade.

Aqui está uma das formas de abordar esta questão: o diagrama abaixo sugere que poderá haver uma relação entre o aumento dos benefícios directos na Cooperação para o Desenvolvimento (win-win) à medida que uma política ajuda a combater as causas, ao invés dos sintomas, da pobreza.

Se a nossa Cooperação para o Desenvolvimento estiver maioritariamente orientada para combater os sintomas da pobreza – fornecendo água e comida aos mais pobres – é difícil perceber de que forma é possível coadunar o interesse nacional (directo) com a eficácia da ajuda. Esta ajuda é, ainda assim, indirectamente “win-win”, no sentido em que toda a redução da pobreza e a partilha de prosperidade é benéfica para a Grã-Bretanha a longo prazo. No entanto, esforços para mover estas intervenções do canto inferior esquerdo para o canto superior esquerda do gráfico, tais como condicionar a ajuda humanitária aos produtores do Reino Unido, seriam muito prejudiciais para a sua eficácia.

Por outro lado, se o nosso foco for a redução das causas da pobreza – melhorando, por exemplo, a eficácia com que os países em desenvolvimento cobram impostos destinados a cobrir as despesas associadas aos serviços públicos ou reduzindo a disseminação da resistência antimicrobiana – existirão mais oportunidades para utilizar estratégias de Cooperação para o Desenvolvimento que permitam ganhos directos para os dois lados. Este tipo de Cooperação para o Desenvolvimento não implica, na maioria dos casos, transferências monetárias, passando pela formulação de políticas governamentais mais amplas, beneficiando directamente tanto o Reino Unido, como os países em desenvolvimento.

O que explica esta relação? Acções centradas no combate dos sintomas da pobreza – situadas canto inferior esquerdo do gráfico – relacionam-se essencialmente coma redistribuição de recursos (fornecendo, por exemplo, bens e serviços ou através da transferência de dinheiro). Ora, esta redistribuição deverá ser realizada de forma a maximizar o valor do dinheiro despendido (value for money), permitindo ajudar o maior número de pessoas possível. Porque a redistribuição é, inerentemente, um exercício de soma zero, tentar fazê-la de maneira a que beneficie também o Reino Unido envolve inevitavelmente sacrificar a eficácia do Desenvolvimento. Consoante nos deslocamos para a direita do gráfico, tentamos expandir a capacidade do planeta suportar a população mundial, fazendo mais com menos, acelerando a inovação, cooperando, desta forma, para resolver problemas globais de acção colectiva. Estes objectivos não são inerentemente de soma zero, constituindo, por isso mesmo, abordagens “win-win”. Essa é a razão pela qual inúmeros tipos de Cooperação para o Desenvolvimento no lado direito do gráfico, que combatem as causas estruturais da pobreza, podem situar-se também num patamar mais elevado na escala no que diz respeito aos benefícios directos para o Reino Unido.

​Se a Secretária de Estado é séria relativamente ao objectivo de tornar a Cooperação para o Desenvolvimento “win-win”, uma maneira de o conseguir é através de um maior foco nas políticas e comportamentos que abordam as causas estruturais subjacentes à pobreza e nos bens públicos e instituições globais que definem o contexto no qual os países mais pobres se desenvolvem. A ajuda ao Desenvolvimento despendida nos sintomas da pobreza só beneficiará os dois lados à custa de uma redução na sua eficácia. Gerir este tipo de ajuda de forma altruísta beneficia a Grã-Bretanha indirectamente, a longo prazo, através da criação de um mundo mais estável e mais sustentável.

Estas duas opções não são mutuamente exclusivas: o Reino Unido pode fornecer, e fornece, tanto ajuda que vá ao encontro das necessidades imediatas dos países receptores (como a ajuda humanitária) como despender ajuda e outro tipo de políticas direccionadas para solucionar as causas da pobreza (através, por exemplo, da criação de vias legais de migração de países em desenvolvimento). É indiscutível que fazemos muito pouco no que diz respeito a este último tipo de políticas, em parte porque as nossas agências de desenvolvimento estão excessivamente concentradas em gastar o orçamento destinado à ajuda ao desenvolvimento em detrimento de outras políticas, e, em parte porque enfrentar os sintomas da pobreza produz resultados mais rápidos, mais tangíveis e mais certos. Espero que a procura de uma Cooperação para o Desenvolvimento “win-win” signifique que no futuro vamos investir mais em combater as causas da pobreza. Se a Secretária de Estado pretende que isto se torne realidade, precisará de envolver outros departamentos, não só para despender uma parcela maior da Ajuda Pública ao Desenvolvimento do Reino Unido, mas também para formular políticas genuinamente “win-win” para a Grã-Bretanha e o para o mundo.

 


5 de junho de 2018 – Disponível em https://www.cgdev.org/blog/aid-national-interest-when-development-cooperation-win-win

Nota de tradutor: Optámos por utilizar a expressão inglesa “win-win”, que se refere a uma situação em que ambas partes envolvidas saiam beneficiadas.

Agradecemos ao autor e ao Center for Global Development a autorização para traduzir e publicar este artigo.